terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Bullying e rejeição na minha infância

Recentemente lendo o texto de uma amiga sobre acontecimentos ocorridos na infância dela, fui imediatamente remetida à minha.

Atualmente lido muito bem com a minha deficiência, em todos os sentidos. Diga-se de passagem, essa expressão “deficiência”, ou as correlatas, em nada me incomodam. Tem que as ache pejorativas, mas como sou do tempo em que não se falava em “portadores de necessidades especiais” ou outras invencionices, isso não representa um problema pra mim.

Mas nem sempre fui assim. Como sabemos, crianças são bastante sinceras e, porque não dizer, maldosas também. Aquelas que são diferentes das outras são inevitavelmente marginalizadas, desprezadas. Esse foi exatamente o meu caso.

Lembro que quando tinha por volta de uns 8 anos, estudava em um colégio pequeno, onde eu fui pega para Cristo. Estudava em uma turma também pequena, eram 5 meninas e uns 10 meninos. A diversão deles no recreio era correr atrás da manquinha, ou da Medusa, como um deles resolveu me apelidar.

Aliás, esse menino, cujos nome e rosto até hoje não esqueço, e que era o líder da turma, ficou por muito tempo me perseguindo. Não necessariamente na prática, mas sonhava com ele e tinha medo de vê-lo em qualquer lugar em que estivesse. Felizmente nunca o vi fora do colégio.

O pior de tudo é que o sujeito no início do ano, quando nos conhecemos, era uma graça, todo educado e simpático, vivia conversando comigo e me dando presentinhos. Aí, algo fez com que ele se transformasse naquele pequeno monstro que passou a me aterrorizar diariamente.

Era humilhada na frente de todo mundo, e parecia que ninguém tinha compaixão. Até hoje não entendo como aquilo acontecia num colégio pequeno sem que professores/orientadores vissem e repreendessem o líder e os que se juntaram a ele.

Não tinha perdão, nada que eu fazia ou dizia passava em branco. Toda e qualquer palavra que saísse da minha boca era motivo para piadinhas de gosto duvidoso.

Aprendi a conviver com isso em silêncio. Talvez nem tanto silêncio assim, pois nessa ocasião já fazia terapia - logicamente não por decisão minha, assim como não tinha discernimento para entender do que se tratava – e certamente foi algo fundamental para mim.

Esse drama durou alguns anos e foi uma experiência traumatizante. Prova disso, é que não me lembro de praticamente nada agradável ocorrido nesse tempo, mas não esqueço os momentos desagradáveis. Hoje superei e acho que lido bem com a lembrança, mas não gostaria de um dia ver esse sujeito na minha frente.

Mudei de colégio aos 10 anos, por diversos motivos, e passei a estudar num bem grande e onde finalmente passei a me sentir melhor por não ser tão sacaneada. Mas isso não significou o fim da rejeição.

Comecei a ter aulas de educação física, o que se tornou um verdadeiro trauma para mim. Eram freqüentes os jogos de vôlei e queimado, mas logicamente eu ficava sempre na reserva. Ou quando raramente jogava, me sentia invisível. Ninguém me passava uma bola, implicavam com o meu andar e ouvi uma frase que me deixou muito triste e demorou algum tempo para ser processada: “você vai jogar mesmo andando assim?”. Eu na época, ainda muito submissa e sem atitude, disse algo como “é, melhor eu não jogar né? Também lembro até hoje o nome dessa menina.

Outra situação que passou a ser freqüente eram as festinhas de aniversário. Sempre tinha alguma pra ir. E na ocasião, com uns 11, 12 anos, é quando os meninos estavam começando a paquerar as meninas, chamá-las pra dançar e tentar conquistá-las. Eu virei o patinho feio, não era nunca a escolhida e ficava lá sentada olhando, fingindo que estava tudo bem. Nessa época, sofria uma espécie de bullying velado (se é que isso existe), pois sabia que comentavam sobre mim, sempre de forma pejorativa. Tinha a sensação de que de nada adiantava ir sempre arrumadinha, cheirosinha e bonitinha. Só minhas amigas me elogiavam, enquanto elas eram elogiadas pelos meninos.

Passei toda minha infância e adolescência morando num prédio grande, cheio de crianças e onde tinha piscina e playground, ambientes que eu freqüentava com assiduidade. Acho que era minha válvula de escape dessas situações vividas nos colégios, pois ali ninguém me rejeitava, eu conseguia ser eu. Claro que tinha minhas limitações, não conseguia pular corda e nem elástico muito bem, nas brincadeiras que exigiam muito esforço físico sempre era prejudicada, mas nunca fui feita de vítima talvez por ter minha irmã, mãe e várias outras, e algumas queridas sempre por perto.

Não falo isso hoje para que tenham pena, aliás, algo que não suporto. Mas sim porque tenho orgulho de mim, de ter vencido quase que completamente o problema (dizer que não ligo a mínima seria mentiroso da minha parte), e que hoje minha auto estima é outra. Consigo conviver com os olhares e comentários alheios sem me incomodar. Mas se disseram algo como “coitada, que pena”, eu fico bastante incomodada. Sou independente, e não foi á toa que conquistei isso, então não me acho digna de pena, muito pelo contrário.

Agradeço acima de tudo aos meus pais que me trataram sempre como se eu fosse “normal”, mas com o bom senso de me mostrar que eu sempre tive e sempre terei uma característica única com a qual tive que aprender a conviver.

Minha irmã também tem grande parte nesse processo. Sempre me viu como uma pessoa igual às outras e apesar de eventualmente ter um cuidado exagerado comigo (hoje em dia bem menos do que na nossa adolescência), nunca me tratou como alguém com um problema.

Sem pieguice, é com alegria que hoje me considero uma pessoa que inspira orgulho, sem falsa modéstia. .

Todos esses acontecimentos me levam a pensar em outra questão, mas que como não é da minha competência, não vou desenvolver, mas deixo como reflexão. Será que crianças podem ser pessoas do mal ou essas atitudes eram somente diversão? E será que crianças já nascem más ou desenvolvem isso com o tempo, em função das influências externas?

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E para descontrair um pouco:

Personalidades da semana: Letícia Birkheuer, Betty Lago, Francisco Dornelles, Oswaldo Montenegro (não agüento mais ver esse barba branca), João Havelange, Ciro Gomes e Patrícia Pillar (linda de morrer).

12 comentários:

  1. Que lindo texto Rafa, tao bom nos darmos conta de que somos capazes de superar situacoes que em outras epocas pareciam ser monstruosas. Mesmo nao tendo de lidar com qualquer tipo de deficiencia fisica, me identifiquei muito em diversos momentos. Bullying pode ser um termo novo para nos, mas a atitude existe ha tempos, e ao contratio de vc, tem certas coisas que ainda nao me sinto suficientemente forte para dizer que superei. Mas nada como um relato destes para dar coragem de rever certas coisas e se fortalecer.
    Refletindo sobre a questao final, acho que o lance eh que criancas nascem sem filtros e vao construindo eles de acordo com o que aprendem com os mais velhos,tanto o certo quanto o errado. Elas podem ser o futuro, mas tambem sao o reflexo dos adultos de hoje.
    Por isto que a ideia de que o mundo acaba em 2012 nao me parece tao ruim... Hahaha

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  2. Eu fui testemunha de alguns desses fatos descrevidos no texto. O aluno em questão era de uma perversidade fora do comum. Ele tinha um companheiro que me pertubava muito, ao ponto de eu riscar o rosto da foto da turma. Naquela fase da infância, mal conseguiamos nos defender, não entendiamos como era possível alguém ser capaz de tanta maldade. Acredito que convivemos com um caso de psicopatia. Hoje essa pessoa deve continuar praticando impunemente suas maldades, ou, quem sabe, como a Susane, tenha ultrapassado todos os limites e esteja preso, seja na detenção ou em um sanatório. Ainda assim fica a pergunta: onde estavam os pais desse menino que não enxergavam os desvios de caráter dele?

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  3. Rafa, muito bom seu texto.
    Admiro MUITO a sua independência e a sua postura, e realmente não dá pra entender esse tipo de gente que ainda insiste em assediar quem tem qualquer tipo de deficiência. Por outro lado, ter uma família como a sua, que te apóia sem ser superprotetora, é uma coisa maravilhosa! :-)
    Beijos, querida
    Mari.

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  4. Rafita,
    Legal você colocar o assunto na mesa, não por você, mas pelas pessoas que podem sofrer abusos parecidos e não sabem como lidar com isso. Até hoje não esqueço várias ocasiões quando eu e a Cames estávamos andando e tagarelando e de repente nos dávamos conta que você estava vindo lá atrás... e ríamos, as pessoas ao redor devem achar absurdo mas o fato de esquecer que você tem a tal "deficiência" só prova que esse é o detalhe menos marcante ou interessante sobre você, quem escolhe isso como referência sobre alguém sofre de um profundo mau-gosto pois tem tanta beleza em você que fica difícil comparar suas pernas ao seu sorriso (e até seu mau-humor, que adoro). Escolher características físicas para julgar - ter esse tipo de mau-gosto é que deveria ser chamado de deficiência, pois isso a gente escolhe... ...você sabe o poder que você tem né ?? BJS

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  5. Como eu sempre digo, te admiro demais amiga!
    Você é um exemplo de independência, inteligência e auto-confiança (tem hífen?).
    Óbvio que uma família como a sua é parte fundamental disso tudo, a prova disso é o relacionamento próximo que vocês têm.
    Mas sua força vem não só da sua base familiar sólida, mas também da sua personalidade sensacional!
    Beijão!

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  6. Amiga, te admiro demais em vários aspectos mas principalmente por você tratar esse assunto de uma maneira tão "simples". Conheço pessoas que não conseguem lidar com o excesso de peso tão bem quanto você lida com essa questão. Nossa infância foi maravilhosa, guardo todos melhores momentos que tivemos no meu coração, e ter você perto de mim de novo é um presente de Deus! Te amo. :))

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  7. Vc é sim um presente de Deus...uma das poucas coisas que mais amo nesse mundo. Que tenho mais orgulho, que é infindável. Ser o que você é é um exemplo para todos.

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  8. Camilla e Nanda já disseram tudo.
    Beijos, minha querida!

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  9. Pois eu passei por tudo isto, querida, até o ensino médio. O problema é que minha "deficiência" não era física. Se lhe apraz, lamento não ter conversado mais contigo, na festa.

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  10. Rafa! Que deficiência? Desculpa, não sei do que vc tá falando! haha. Brincadeira, claro que eu sei, e admiro vc muito por vc ter vencido tudo o que vc contou, e viver na buena, com um bom humor em relação a isso que é só seu. Cheers to you, dear!
    E meu, quanto as crianças, não sei... E isso me dá um medo danado quando penso em tê-los. Eu não gosto de pensar que tem criança má, acho que concordo com a sua amiga que diz que elas nascem sem filtros, mas tb acho que umas perdem as estribeiras, o respeito, e por ai vai... E como é triste ver criança assim por ai... Sei lá, é um assunto interessante e deve ter algum estudo sobre isso, porque tem criança que não é normal, né? Beijos.

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  11. Rafa, você sabe que eu adoro você, especialmente pelo modo bem humorado e simples que você leva a sua vida, com um texto assim só aumenta minha amizade por você.

    Crianças são cruéis, isso é um fato, especialmente quando andam em grupos, mas vendo o comportamento de alguns adultos ultimamente acho que é um defeito do ser humano, quando em grupo eles revelam um lado irracional e estúpido por diversas vezes.

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  12. Se elas são crueis, eu não sei, mas achei ótimo saber um pouco mais sobre a sua história.

    Um grande beijo,
    Fabi

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