quarta-feira, 5 de maio de 2010

Pessoas especiais

Para não deixar o blog morrer, resolvi publicar esse texto escrito no longínquo ano de 2005. Assim que possível volto com textos novos.

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Eu como deficiente física me sinto na obrigação de falar um pouco sobre o assunto, algo que não costumo fazer. Para quem não me conhece ou nunca me viu, eu tenho um problema nos membros inferiores e ando mancando, mas não preciso de aparelhos para me locomover, o que realmente facilita a minha vida. Felizmente levo uma vida normal, o que não significa que não tenha minhas limitações.


Como a minha deficiência nem sempre é notada, o que só acontece quando eu ando, passo por muitas situações curiosas, engraçadas e constrangedoras (para os outros, não para mim) quando, por exemplo, me vêem na parte do ônibus reservada para deficientes ou numa fila reservada para os “especiais”.


Mas como sou uma pessoa que lida bem com isso, acabo vivenciando mais momentos engraçados do que tristes ou incômodos. Algo muito comum é evangélicos ou senhoras carolas tentarem me levar para a igreja achando que vou ser curada. De algumas pessoas eu chego a ter pena, pois foram manipuladas e sofreram alguma lavagem cerebral, mas outras são ignorantes mesmo e acham que posso ser curada indo a alguma igreja ou me convertendo para determinada religião. Levo numa boa e rio da situação.


Outra das minhas armas é a ironia. Comigo mesma. Tento fazer piada com os meus problemas na tentativa de deixar as pessoas mais à vontade ao saberem que não sou uma pobre coitada. O que, aliás, é algo que deficientes detestam, que sintam pena dele. Não precisamos disso, queremos ser vistos como pessoas fisicamente normais e ser respeitadas, nada mais. Mas observo que muitas vezes minhas piadas deixam as pessoas sem graça e venho tentando encontrar um ponto de equilíbrio. Pelo menos os que já me conhecem acham divertido e acabam rindo comigo.


Mas se uma parte de mim é divertida, bem humorada, irônica e faz piada dos próprios problemas, a outra sofre com os absurdos que vê. É comum eu entrar no ônibus ou metrô e ver pessoas fingirem que estão dormindo para não me cederem o lugar. A menos que vá percorrer uma grande distância, deixo passar, mas já tirei muito malandro do banco para eu sentar. Já arrumei briga, já fiz mini escândalo, mas sou sensata o suficiente a ponto de não tirar um idoso ou alguém mais deficiente que eu do lugar.


A mentalidade do brasileiro precisa mudar, há muito a ser aprendido sobre cidadania, bons modos e gentileza. Nós não pedimos para ser tratados como problemáticos, coitadinhos, mas sim como pessoas que tem necessidades especiais e alguns direitos a mais.


Às vezes até penso que sou pouco atuante, pois não participo de nenhuma entidade em defesa de deficientes e me condeno pois acho que se eu, que faço parte dessa minoria não entro nessa briga, os outros não têm que tentar, mas creio que é através de pequenas ações, como escrever esse texto, que posso estar mudando uma mentalidade aqui, outra ali.


Acho que de um tempo para cá muita coisa melhorou. Há mais espaço em transportes públicos destinados aos deficientes, mais acessos próprios para eles, mas ainda está muito aquém do ideal, principalmente a questão do respeito. Esses dias entrei numa comunidade de deficientes físicos no Orkut, onde pessoas comentavam sobre os absurdos que viam ou ouviam e me assustei ao ver que em 2005 ainda há pessoas que nos vêem como doentes.


Tenho muito orgulho de mim, de tudo que conquistei - amigos, emprego, cultura - e principalmente de poder ser vista como uma pessoa “normal”. Não sou revoltada, sei conviver muito bem com minha diferença. Mas infelizmente já tive contato com muitos que não pensam assim, principalmente os que adquiriram a deficiência em alguma fase da vida, o que não é meu caso. Quando a pessoa nasce com a deficiência é bem mais fácil aceitar sua condição, de modo que dentro do possível tento ajudar algumas pessoas, dentro desse grupo ou não, a verem que é possível ser feliz, pelo menos grande parte do tempo. Não quero dar uma de Pollyana, só mostrar que a vida, mesmo pra quem tem problemas não só pode, como é legal.


Acho que é um assunto complexo, interessante e com muito a ser discutido. Voltarei aqui numa outra oportunidade para levantar outras questões que dessa vez deixei de fora, e espero que o texto de hoje tenha feito alguém pensar e quem sabe fazer alguma pequena ação.